Na ponta do pé, Amanda Lima, de 18 anos, prova que a dança representa também um movimento para a vida
Era uma vez uma menina que entregou sua vida ao balé. Durante muito tempo, ela precisou ter foco, disciplina, cuidar da alimentação, da postura, dos horários e abrir mão de diversas atividades comuns à outras crianças da sua idade. Cotidianamente, com uma dedicação implacável, ela buscou ter a leveza de uma pluma, braços como asas e pescoço de cisne. Quatorze anos após os primeiros passos, Amanda Lima, 18 anos, conseguiu usar a sapatilha de ponta, uma conquista muito importante na vida de qualquer bailarina. Apesar de parecer ter saído de um livro, a história dela não começa com “era uma vez”. Mas sim com a ajuda de todos que contribuíram para o desfecho feliz do enredo que a jovem protagoniza hoje. Além de realizar o sonho de toda bailarina, Amanda tornou-se também a primeira com síndrome de Down a alcançar esse feito no Norte e Nordeste do Brasil.
Os primeiros passos na dança foram ainda aos 4 anos, na Formação de Ballet Jeane Barbosa. O balé veio após o ingresso em outros esportes, com os quais ela não demonstrou afinidade, segundo a mãe, Ana Paula Silva. Sua intenção, ao matricular a menina na dança, era proporcionar um meio de fazer com que Amanda pudesse fortalecer a musculatura e promover sua interação com outras crianças.
“Ela queria aquilo, desde o início. Já no primeiro dia, se viu numa sala com todas as outras meninas e se emocionou logo no primeiro passo. A partir de então, Amanda não parou mais. Nem vai parar, estou certa disso”, conta Ana, enquanto observa o alongamento da filha.
Mais do que uma conquista artística, a repetição de passos em coreografias perfeitas representa não só o movimento do corpo de Amanda, mas também de uma vida, de vidas. Dela, da “tia Jeane”, sua mentora e incentivadora, e da mãe, que largou o emprego para acompanhar a filha nos ensaios.
“Com a dança ela foi além, muito mais do que a gente imaginava. Posso sentir a emoção e a paixão dela pelo balé”, orgulha-se Ana Paula.
Vestindo tutu dourado, com cabelos presos em coque e maquiagem nos olhos castanhos, levemente puxadinhos, Amanda já mostrou em palcos do País inteiro que seu diferencial é o talento, não a alteração no cromossomo 21. A bailarina, que prefere se expressar pela ponta dos pés, diz ser feliz em cima do palco. A instrutora, Jeane Barbosa, corrige e elogia a aluna sem distinção.
Professora há 35 anos, e atualmente instrutora de cerca de 200 alunas, Jeane afirma para suas pupilas que o balé vai além da dança, da memorização e repetição de movimentos. É sentir o próprio corpo e entender que aquilo que ele pode fazer representa também um movimento para a vida.
“O que me toca é ver no que ela se transforma quando dança, é olhar o que vejo nos olhos dela e enxerguei desde quando ela começou. É muito mais do que dança”, explica a instrutora. Assim, qualquer dificuldade se apequena, dando espaço para a construção de uma autoestima e para uma certeza de que obstáculo nenhum supera um sonho. “Se dói algum passo ou se estou com preguiça, eu vejo minhas fotos no palco, as pessoas me aplaudindo. Aí passa, e eu danço”, diz Amanda.
A bailarina, sempre na ponta, tem um dia especial marcado na agenda de apresentações. Em 21 de dezembro, às 17h, o grupo liderado pela instrutora Jeane Barbosa promove o espetáculo Momentos, no Teatro Luís Mendonça, do Parque Dona Lindu, em Boa Viagem. A apresentação será também uma comemoração aos 35 anos da “tia Jeane” como instrutora. Serão cerca de 65 bailarinas, de várias academias e colégios da Região Metropolitana do Recife.
Fonte: Jornal do Comércio.