Por José Carlos Morais
Já fomos aleijões, aleijados, paralíticos, inválidos e incapacitados. Os que andavam com alguma dificuldade eram coxos, rengos ou mancos. O pejorativo apelido “deixa que eu chuto” vinha desde minha infância. Quando fiquei paraplégico, na década de 70, éramos deficientes físicos. Depois nos tornamos portadores de deficiência e logo nos impuseram necessidades especiais. Finalmente, fomos definidos como Pessoas com Deficiência pela Convenção das Nações Unidas, resumido pela simpática abreviatura PcD. Primeira vem a pessoa, depois o esclarecimento que há algum tipo de deficiência sem que isso inferiorize quem a tem.
Já o popular e carinhoso termo cadeirante surgiu na década de 80. Até onde minha memória alcança foi empregada pela primeira vez pelo Zé Blanco da Sadef. Nessa época enormes delegações esportivas cruzavam o Brasil para as competições nacionais. O dinheiro era muito curto, escasso mesmo. As viagens tinham que ser bem planejadas para termos uma boa representação com o menor custo possível. Alguns poderiam viajar de ônibus, outros só iriam de avião. Avaliava-se a possibilidade de medalha de cada atleta, o meio de transporte adequado e assim convocávamos os times. O Zé criou um método infalível e dividia a delegação em três categorias; andantes, muletantes e cadeirantes. Assim poderia elaborar com cuidado o deslocamento da equipe pelo meio mais conveniente. Minha impressão é que o termo se popularizou neste século. Quando nos demos conta estava na boca do povo. Expressão simpática, não agressiva que caiu no gosto popular.
Nessa época nós nos referíamos como chumbados. Embora, também imaginasse que havia surgido da mente criativa do Zé, fui lembrado por Sheila, que na realidade a expressão surgiu no Clube dos Paraplégicos aqui do Rio com sede lá em Piedade. Criado como dissidência do Clube do Otimismo abrigava pessoas com deficiência, quase exclusivamente com sequelas devidos a poliomielite. Quando começaram a surgir as primeiras lesões medulares por arma de fogo, esses indivíduos eram identificados por “terem levado chumbo”. A transição para chumbado foi instantânea. Não obstante a ideia original o termo se generalizou para qualquer deficiência, independente da origem, inclusive das próprias vítimas da paralisia infantil.
Tornou-se popular entre nós e passamos usar de maneira corriqueira. “Você ficou chumbado quando”? De início havia certo mal estar, mas logo foi assumido pela galera de uma maneira geral. Já na população não deficiente era comum o comentário de que se tratava de uma expressão agressiva. Mas, para nós, estava ótima. Tanto é verdade, que convidado para escrever uma crônica mensal no jornal SuperAção para tecer comentários e dar orientação aos deficientes físicos não hesitei de chamá-la “Chumbadicas”. Em uma delas, inclusive, na volta de Porto de Galinhas e muito entusiasmado com o lugar, sem vacilar intitulei de Porto dos Chumbados. Na época recebi uma carta de um leitor com o seguinte comentário: “No meu modo de ver, entre tantos nomes, eu me identifico com chumbado; dá a impressão de resistente, seguro, grudado e até mesmo lesionado.”
Enfim, nomes que foram e que ficam. Designações que escreveram uma história. Vivi todas elas. Confesso que nunca me entusiasmei e nunca adotei nenhuma das novidades. Achava que deficiente físico descrevia perfeitamente a minha condição. Transitei muito bem como chumbado e cadeirante é minha preferida. Entretanto é nosso compromisso, como militantes e representantes de entidades de classe ser corretos politicamente e evitar termos que possam ser ofensivos. Aqui me refiro a qualquer grupo social. Na prática admito que ainda penso duas vezes para não me equivocar com o nome atual. Mas agora #somostodospcd.