Por José Carlos Morais
O atendimento é demorado, envolve uma radiografia e colocar uma tala no dedo afetado. As pessoas continuam chegando com suas dores, tosses, febres e machucados. Talvez meia hora tenha se passado, quando o funcionário sai de trás do balcão e se aproxima. “O senhor precisa de alguma coisa”? Responda com um seco “não, obrigado”. E volto a baixar a cabeça em direção ao meu telefone. Mas, ele quer mais: “É que o senhor chegou aqui sozinho e não se dirigiu ao atendimento”. E questiono, “quantas pessoas estão nessa sala e não foram ao balcão”? E complemento, “você está apreensivo porque estou na cadeira de rodas e, no fundo você está me vendo como alguém que precisa de ajuda”. Ele ficou constrangido com minha resposta e meio ruborizado e sem graça tentou uma explicação que não merece ser repetida. Ouvi com a atenção devida, não disse que estava à espera de minha mulher, simplesmente agradeci: “não se preocupe, estou bem obrigado”.
Com certeza, alguém vai criticar a minha atitude. “Que cara grosso, no mínimo é um recalcado”, muitos assim entenderiam. Em outras épocas, talvez até explicasse porque estava ali. Mas, há muito resolvi agir diferente. Acho que na porrada talvez aprendam. O episódio acima, decerto vai mexer a cabecinha do funcionário. E assim tenho agido. Não me preocupa mais com o que pensam. To nem aí. Danem-se, quero que mudem o olhar para o cadeirante e para a pessoa com deficiência, em geral. Chega de sermos olhados como incapazes. Com certeza, melhorou nesses 45 anos de paraplegia, mas o estigma social da cadeira de rodas ainda é poderoso.
Outra muito boa, conto no meu livro RODA VIDA. Minha filha foi operada e Martha ficou como acompanhante. No dia seguinte, com a alta programada, fui até lá buscá-las. O médico avisou no posto e ficamos aguardando a cadeira de rodas para levar Joana. Nesse ínterim, Martha desceu para pegar o carro e Joana foi ao banheiro. Quando a enfermeira entrou no quarto e me viu sozinho, não teve dúvida. Olhou pra mim e lascou: “Já tá todo arrumadinho, hein. Vai prá casa. Que bom!”
Outro modelo de incapacidade é quando você viaja sozinho de avião. Enviam você, de rotina, para os serviços especiais antes do embarque. Fui só uma vez. Entrei na sala e vi, ali confinados, crianças desacompanhadas e idosos impossibilitados de tocarem suas cadeiras. Educadamente, perguntei: “Por que estou aqui?”. “Vamos embarcar todos juntos”, respondeu a funcionária. “Por quê?”, indaguei. “É a norma da empresa”, insistiu. “Agradeço a atenção de vocês, mas vou sair. Pretendo tomar um lanche e comprar um livro”. Passei pela porta e nunca mais apareci nos serviços especiais.
Enfim, historinhas vividas sobre atitudes preconceituosas. Não são agressivas na maioria das vezes, mas refletem como as pessoas nos enxergam. Pessoas incapazes de tomar uma decisão, infantis ou doentes é o pensamento embutido quando se veem diante de uma cadeira de rodas.
Como mudar? Não sei. Escolhi esse caminho. A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) resolveu explicar o óbvio. Não sou dono da verdade, mas me incomoda e me parece excessivo ter que explicar que nós também somos “humanos”.
O que diz a LBI, no seu artigo 6:
Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I – casar-se e constituir união estável;
II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
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