Por José Carlos Morais
Nesta semana fui rever amigos em Pelotas, minha terra natal. Situada a 240 km da capital Porto Alegre, resolvi fazer o trecho de ônibus. Comprei a passagem com a orientação de o lugar ser no andar térreo do ônibus executivo. Na hora marcada, pronto para o embarque, me entusiasmo ao ver na porta o símbolo internacional do acesso (foto ao lado).
Entrego minha passagem ao motorista, que faz a pergunta de praxe e que me persegue nas viagens aéreas: “Você anda”? Respondo que não e logo surge a segunda pergunta, praticamente em anexo da primeira. “Nem um pouquinho”? Seguro a minha resposta do “nem fudendo” e pergunto por que, já que a entrada do ônibus está sinalizada como acessível. Prá resumir o desconforto geral, só cheguei mesmo ao meu lugar carregado por duas pessoas.
Este símbolo conhecido como internacional de acesso, desenhado pela dinamarquesa Susanne Koefoed em 1968, foi adotado pela Rehabilitation International (RI) durante o XI Congresso Mundial de Reabilitação do Portador de Deficiência, realizado em 1969. Ficou conhecido como símbolo da ONU porque a Rehabilitation International é uma ONG que possui status de órgão consultivo da ONU.
Seu nascimento foi complexo e fruto de um grande concurso. Um grupo de nove peritos de diversas áreas foi nomeado por essa associação com o objetivo de julgar os trabalhos selecionados. Alguns quesitos foram criados pelo Comitê de Ajudas Técnicas da Rehabilitation International e incluíam: a simplicidade, a estética, o fácil reconhecimento, a visibilidade mesmo à distância, a não ambiguidade e sua reprodutibilidade viável em todos os tamanhos e tipos de material.
Depois desta rigorosa seleção, tornou-se público o símbolo vencedor que trazia sobre um fundo azul quadrado o desenho estilizado em branco de uma pessoa sentada em cadeira de rodas. O símbolo representava todas as pessoas portadoras de deficiências: paraplégicos, cegos, amputados, entre outros.
Portanto, quando me tornei paraplégico em 1972, o símbolo ainda engatinhava e pouco se via aqui pela Terra Brasilis. Quando o avistávamos era uma festa, pela certeza da acessibilidade e respeito que exigia. A nova imagem passou a ser usada globalmente, onde quer que tenham sido removidas as barreiras ambientais. Sem dúvida, era uma maneira de mostrar para a população que as pessoas com deficiência passaram a ter acesso às mesmas oportunidades que qualquer indivíduo. Para a população com deficiência era a garantia de um direito igual as demais pessoas. A acessibilidade plena significava a possibilidade de se locomoverem por toda parte em busca de trabalho, lazer e educação. Tornávamos cidadãos, na acepção plena do seu significado.
O símbolo já foi criticado por ser estático demais, como se o cadeirante fosse um cara passivo. E surgiram variações sobre o tema, como o desenho proposto por um grupo de designers americanos autodenominado Accessible Icon Project, onde o boneco mais inclinado transmite a sensação de estar tocando sua própria cadeira (foto ao lado esquerdo).
Cada subtipo de deficiência criou o seu. Surdos, cegos, amputados e autistas mereceram símbolos próprios e, para culminar, a própria ONU, que de alguma forma patrocinou o histórico símbolo de 1969, criou outro em 2015 com a pretensão de representar todas as deficiências. Entretanto, para entendê-lo precisamos de uma legenda, pois apresenta “uma figura simétrica conectada por quatro pontos a um círculo, representando a harmonia entre o ser humano e a sociedade, e com os braços abertos, simbolizando a inclusão de pessoas com todas as habilidades, em todos os lugares” (foto ao lado direito).
O símbolo internacional de acesso significa que o edifício, equipamento urbano ou transporte público é acessível às pessoas com deficiência. Assim, somente deverão ostentar o símbolo os locais públicos onde uma pessoa com deficiência possa entrar sem assistência e sem encontrar barreiras físicas.
A mim não interessa o formato que tenha se é mais abrangente ou universal. Uma figura que precisa de “tecla SAP” para ser compreendida, já nasceu flertando com o fracasso. Minha questão é de comunicabilidade. Um símbolo criado há exatos 50 anos e que conseguiu no mundo inteiro ser reconhecido e respeitado não pode dar lugar a outro símbolo. “Não se mexe em time que está ganhando” é uma máxima futebolística que cabe como uma luva nessa questão.
Precisamos é policiar o seu uso. Fazê-lo ser respeitado. Retirar de todos os locais e equipamentos urbanos que não merecem exibi-lo, como o ônibus Porto Alegre-Pelotas e tantos outros espaços que ostentam o símbolo e promovem a falsa ideia de acessibilidade. É o caso também dos ônibus urbanos que já saem de fábrica com o símbolo estampado, quer sejam acessíveis ou não. É nosso dever preservar a sua história e proteger o seu significado.
O que diz a Lei Brasileira de Inclusão (LBI)?
A LBI no seu artigo 46, no que se refere ao direito ao transporte e à mobilidade diz: O direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso. No parágrafo 30 salienta – Para colocação do símbolo internacional de acesso nos veículos, as empresas de transporte coletivo de passageiros dependem da certificação de acessibilidade emitida pelo gestor público responsável pela prestação do serviço.
Tirem suas conclusões…
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Episódio 1 – Tratamento Prioritário
Episódio 2 – Mobilidade reduzida