Por Keila Motta
Paula observa a filha de três anos rodopiar uma boneca virada de cabeça para baixo somente para acompanhar o cabelo que gira em círculos. A criança parece encantada com o cabelo reluzente da boneca. Paula está cada vez mais preocupada com essa obsessão da filha por objetos que rodopiam.
Pedro cai e se machuca, o pai o pega no colo para confortá-lo, mas o menino grita e o empurra. Esse pai acha perturbador o comportamento estranho do filho. Quanto mais esse homem tenta consolar o filho, mas o menino fica agitado e irritadiço.
Uma professora do Maternal 2 nota que seu aluno de três anos, chamado Miguel, raramente brinca com as outras crianças da turma. Ela diz que o menino passa tempo demais “em seu próprio mundo”. Miguel ignora as aproximações das outras crianças e prefere brincar sozinho alinhando blocos no chão.
Se esses pais e professores observassem atentamente essas crianças, talvez vissem outros sinais de aviso que confirmariam seu maior medo: o de que elas estariam dentro do transtorno do espectro autista (TEA).
Como a maioria de nós, esses pais e professores não compreendem exatamente o que é o autismo, mas seja lá o que for, já consideram que não é bom. O autismo acende o medo nos corações dos pais e alarma muitos professores com pouco ou nenhum conhecimento, treinamento ou experiência no ensino de crianças com TEA.
Porém, a criação de um filho com autismo pode também ser cheia de alegria e descoberta se estivermos abertos a compreender a maneira única como essas crianças com TEA vêem o mundo.
O que é o transtorno do espectro autista?
É importante ressaltar que o Transtorno do Espectro Autista é extremamente amplo e que toda e qualquer perturbação no desenvolvimento global neurológico da criança interfere em um possível diagnóstico.
O TEA é uma série de condições caracterizadas por desafios com habilidades sociais, comportamentos repetitivos, fala e comunicação não-verbal, e também, por forças e diferenças únicas.
Ele engloba diferentes condições com três características fundamentais que podem aparecer em conjunto ou separadamente: dificuldade de comunicação por deficiência no domínio da linguagem e no uso da imaginação para lidar com jogos simbólicos, dificuldades de socialização e padrões de comportamento restritivo e repetitivo.
O espectro envolve situações e apresentações muito diferentes umas das outras, por isso, existem graduações que vão das mais leves às mais graves, e muitas vezes, por conta dessas diferenças, é difícil diagnosticar. Porém, todas, em menor ou maior grau estão relacionadas com as dificuldades de comunicação e relacionamento social.
Existe uma epidemia de autismo?
O que mais escuto de pais e professores é que eles não entendem o porquê tantas crianças têm sido diagnosticadas com autismo ou TEA nos últimos anos. Alguns acham um exagero da medicina e outros acham que pode ter um grande mercado por trás de tudo isso que engloba medicações e terapias.
A realidade é que o autismo não fazia parte das conversas do cotidiano da maioria das pessoas há, pelo menos, dois séculos quando alguns profissionais tomaram consciência dessa deficiência incomum que hoje, afeta uma em cada 59 crianças. Com os estudos, surgiram programas de escolas públicas, clínicas médicas e indústrias inteiramente dedicadas ao autismo.
Hoje, o autismo aparece em reportagens televisivas e manchetes de jornais e é assunto de audiências no Congresso. O autismo passou a ser uma palavra familiar muito presente na cabeça das pessoas.
Parte do medo dos pais vem exatamente das reportagens na tv, dos artigos de revistas e dos programas que afirmam que o mundo está tomado por uma epidemia do autismo. É verdade que existem muito mais casos identificados de autismo do que se acreditava existir no passado, mas cada vez mais indícios indicam que não existe uma epidemia.
Nos anos 80, calculava-se que duas ou três em cada cinco mil crianças tivessem autismo. Para ser diagnosticada com autismo, uma criança tinha que apresentar os sintomas que hoje associamos ao transtorno autista, mas na forma mais grave da deficiência, o que muitos chamam de grau severo.
Naquela época, muitos pediatras nunca tinham sido expostos a uma criança com autismo durante a formação e, nas escolas, as crianças nessa condição incomum eram geralmente isoladas em salas de aulas por problemas de comportamentos sérios.
Nos anos 90, alguns epidemiologistas nos Estados Unidos relataram um aumento no número de crianças com TEA nas escolas públicas. Nos anos seguintes os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, agência do governo norte americano que observa tendências relativas a doenças, também divulgaram aumentos acentuados na prevalência do autismo. Esse número crescia rapidamente e espalhou-se o alarme pelos E.U.A, principalmente, entre os pais de crianças pequenas.
O fato de ter tido um aumento no diagnóstico de autismo levou os meios de comunicação a usarem a infeliz expressão “epidemia” como justificativa desse aumento, como se fosse uma doença infecto-contagiosa.
Esses ruídos de comunicação deixaram milhares de pais norte-americanos aterrorizados ao acreditar que seus filhos pudessem “pegar” autismo. Só que não imaginávamos que essas notícias chegariam a diversos outros países com tanta força e virariam crenças, e consequentemente, preconceitos.