Por José Carlos Morais
“É só um instantinho”! Quem já não ouviu essa irritante desculpa de quem estaciona o carro em vagas destinadas às pessoas com mobilidade reduzida. São inúmeras as causas desse desrespeito e não perderei tempo aqui para enumerá-las.
Certa feita expliquei, com a paciência que ainda possuía para esses assuntos, que centenas de instantinhos era como se a vaga estivesse ocupada o dia inteiro. E assim, quando alguém com direito ao estacionamento tentasse parar seu carro, a vaga estaria um dos instantinhos ocupada. Não sei se entendeu e se passou a respeitar, mas fiz minha parte.
Quando morei em Los Angeles, tirei carteira de motorista e emplaquei meu carro. Como consequência do carro adaptado, recebi uma placa amarela de plástico onde constava impresso em azul o símbolo do acesso e a chapa do meu carro. Tinha um tamanho razoável, o suficiente para ser percebida de longe. Um dia, na pressa, estacionei na vaga devida e esqueci de deixar a mostra a bendita placa. Quando voltei, se quedava no limpador de pára-brisas uma multa no valor de 100 dólares pela infração cometida. Pasmem! Estava dentro de um shopping. Primeira lição – as vagas especiais são determinadas pelo poder público e cabe a ele zelar pelo seu uso. Na própria Universidade onde estagiei, volta e meio algum oficial multava os carros incorretamente estacionados.
Enfim, no dia seguinte fui ao DMV, o Detran de lá. Orientado a recorrer da multa, reuni todos os documentos requisitados, como carteira de motorista, a tal placa amarela e a multa. Fiz minha defesa por escrito, anexei uma cópia “comum” dos documentos e duas semanas depois um cheque de 100 dólares aportou na minha casa pelo correio.
Ao lado do insuportável mal educado que ocupa as vagas há uma categoria mais complicada – as pessoas com deficiência que não possuem mobilidade reduzida. Lembro que um dia perdi uma vaga por segundos. Traquejado pela vida, estacionei a poucos metros e permaneci no carro à espera da saída do motorista. Eis que então, deixa o carro um andante. Esclareci que era uma vaga destinada a pessoas com mobilidade reduzida. Fitou-me com desdém e não emitiu um som. Simplesmente bateu a porta do carro e exibiu o braço amputado como se fosse seu salvo-conduto.
O Decreto Federal 5.296/2004 que regulamenta as Leis Federais 10.048 e 10.098/2000 é claro ao definir que o direito as vagas especiais é conferido às pessoas com deficiência, pouco importa se condutores ou passageiros, que tenham dificuldade para caminhar, incluindo indivíduos que decorrente de incapacidade mental apresentem o impedimento para andar por si só e também aqueles que temporariamente mostrem dificuldades graves para se locomover.
Essas vagas, inclusive, possuem dimensões maiores para que haja espaço para armar as cadeiras de rodas. Se raciocinarmos que este estacionamento é para os indivíduos cujas sequelas os impedem de caminhar grandes distâncias, fica fácil de entender porque foram criadas. Nos Estados Unidos, deficientes cardíacos e pulmonares, por esse motivo possuem direito adquiridos a estas vagas.
A explicação para esse abuso ou desconhecimento, segundo opiniões que colhi, pode ser atribuída ao fato que outras deficiências ao adquirirem carros com isenção de impostos se achem no direito de usufruir do estacionamento especial. Mas, essa é uma página de outra história que vem em função da ampliação do portfólio de doenças permitidas pelo Detran para essa compra especial. O aumento abissal de “carros de deficiente” é assunto para a nossa próxima conversa.
Como prometi dissecar a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), semanalmente, fui lá para ler o que reza a LBI sobre mobilidade reduzida. E confesso o meu susto. Diz lá no artigo 30, inciso IX – “pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso”.
A LBI criada para “assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”, como discorre o seu artigo primeiro, não pode incluir pessoas sabidamente sem deficiência no escopo da lei. Não estou nem discutindo a questão das vagas, até porque no Brasil 5% das vagas são destinadas por lei aos idosos e 2% às pessoas com deficiência. Nem vou polemizar sobre o absurdo considerar idoso o indivíduo com 60 anos. Meu foco aqui é a LBI e a estapafúrdia generalização de incluir idosos e obesos. Vamos lá, até concordo que pontualmente algum obeso ou idoso possa ser incluído, mas gestante, lactante e pessoas com crianças de colo?
Soube que nos Estados Unidos, as grávidas recebem um cartão provisório, o mesmo das pessoas com deficiência temporária, com poucos meses de validade e identificados por uma cor diferente do cartão usual. Parece-me justo. Alguns estabelecimentos no Brasil já demarcam vagas de estacionamento para grávidas e usuários com carrinhos de bebê. Mas, por favor, deixem de fora da LBI essas lindas mulheres que vivem o momento sublime da maternidade.
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