Projeto de pesquisadores do Amazonas permite que paratletas  com deficiência visual se guiem sozinhos nas provas de atletismo; conheça

Projeto de pesquisadores amazonenses 'elimina' figura do guia em provas de atletismo paralímpico. Foto: Daniel Zappe/CPBMANAUS – Você já imaginou um atleta cego correndo sem a ajuda de um guia no atletismo? Parece algo impossível, mas está próximo de se tornar realidade. Um dispositivo criado por pesquisadores do Amazonas vai permitir que paratletas com deficiência visual se guiem sozinhos nas pistas. O projeto ‘Meu Guia’, fruto de uma pesquisa cooperada de profissionais de diferentes instituições, quer implementar a tecnologia já nas Paralimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.

A concepção do projeto durou cerca de dois anos. “Era um sonho meu criar essa tecnologia. Com o tempo, outros pesquisadores foram aderindo à ideia. Oficialmente o grupo conta com 20 pessoas, mas isso se estende para 40 professores, pois há uma parceria interinstitucional”, disse a professora e pesquisadora da Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão da Universidade Nilton Lins, Ana Carolina Oliveira, que é coordenadora do projeto.

Além de Ana Carolina e outros pesquisadores da Nilton Lins, o trabalho também envolve profissionais do Centro de Inovação em Controle e Automação em Robótica Industrial (Cicari), da Faculdade de Tecnologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), da Agência de Inovação da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), do projeto Curupira do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) e fomento do CNPq.

De acordo com as regras do atletismo paralímpico, o atleta com deficiência visual compete ao lado de um guia, unidos por uma5 Casos em que o guia atrapalha  o velocista cego corda presa às mãos. No entanto, um estudo dos pesquisadores amazonenses indica que há 40% de chances de um cego cair correndo ao lado de um guia. “Sempre me chamou atenção um cego correr com alguém ao lado puxando uma corda. É um pouco arcaico”, disse Ana Carolina.

Os pesquisadores amazonenses possuem uma coletânea de vídeos exibindo momentos em que o guia atrapalha o atleta cego em uma corrida. Um deles, por exemplo, é de um competidor desclassificado em uma final porque o guia ‘queimou’ a largada. Mais recentemente, no fim de outubro, o brasileiro Felipe Gomes perdeu a medalha de ouro do Mundial Paralímpico de Atletismo, no Catar, porque o guia pisou na linha em uma curva, fator de desclassificação.

Entenda a tecnologia

Mas como fazer com que um cego corra sozinho sem ameaçar sua integridade física? Os pesquisadores amazonenses desenvolveram uma roupa de alta performance em que um dispositivo acoplado emite vibrações por meio de um sistema sensorial. Essas vibrações compõem um código linguístico – assim como o braile, por exemplo -, pelo qual o corredor se baseia para receber orientações referentes à postura e direção no decorrer da prova.

A comunicação através da roupa é feita por uma rede de localização (GPS). “Não seria conveniente colocar uma pessoa digitando ‘direita’, ‘esquerda’, até porque a interferência humana possui falhas. Então a ideia foi desenvolver uma triangulação do atleta. Algo como um GPS, para saber em que posição ele está na pista, para determinar onde ele tem que ir. Se ele chega próximo de uma curva, ele vai sentir uma vibração. Dessa forma ele também vai saber quando deve arrumar sua passada, quando está próximo da linha de chegada, etc”, disse o pesquisador Renan Baima.

Muitos podem questionar se a audição não seria um método mais eficaz para os atletas receberem as coordenadas. “O atleta se guia pela audição. Limitar a audição deixaria o cego ainda mais confuso. O guia não se comunica com o atleta gritando, mas sim pelo tato. Então concluímos que a melhor interface de comunicação seria a vibração. Fizemos uma roupa onde é possível dar uma resposta de vibração em certos pontos de maior sensibilidade do corpo, a ponto de o atleta entender o comando”, disse Baima.

Cada vibração em diferentes partes do corpo representa uma sentença em relação ao posicionamento do atleta – o chamado código linguístico. Desta forma, o atleta cego vai interpretar as diferentes vibrações como orientação para correr com segurança.

Desta forma, o projeto garante autonomia para que o atleta cego defina sua própria estratégia na pista. “Se o atleta corre com o guia, ele fica limitado à estratégia do guia. Até porque o guia está vendo onde seu atleta está e onde os outros competidores também estão”, explicou Baima.

Protótipo para qualquer pessoa experimentar

O projeto ainda precisa ser submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa para a liberação de testes com os cegos, o que deve ser permitido entre janeiro e fevereiro. No entanto, os pesquisadores já criaram um protótipo para que qualquer pessoa experimente a tecnologia. O protótipo é um dispositivo de pulso controlado pelos próprios pesquisadores, no qual a pessoa percorre um labirinto com os olhos vendados, guiando-se apenas pelas vibrações emitidas pelo dispositivo.

“A gente chama de teste-piloto para que as pessoas tenham noção do código linguístico que estamos criando. Imagina o braile. O código braile é universal, todos os cegos fazem a mesma leitura daquele código. Ou seja, precisamos chegar num denominador comum, encontrar uma maneira de comunicação que todos entendam”, disse Ana Carolina Oliveira.

A grande diferença entre o protótipo e o produto final é que, no protótipo, as orientações são controladas pelos próprios pesquisadores através de uma rede sem fio de comunicação. No produto final – ou seja, a roupa -, este processo será totalmente autônomo pelo GPS, evitando que um possível erro humano gere acidentes.

Os testes para a implementação da tecnologia também dependem da anuência do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Uma das preocupações dos pesquisadores é fazer com que a utilização do dispositivo não diminua a capacidade dos atletas, isto é, que o percurso independente dos cegos não implique em diminuição no tempo de conclusão das provas.

Conquistas e objetivos

O projeto já alcançou sua primeira vitória: a conquista do Prêmio Santander Ciência e Inovação de 2015. Os pesquisadores foram contemplados com R$ 100 mil, superando a concorrência de universidades renomadas como PUC e USP.

O sonho do grupo é que a tecnologia seja usada em uma edição das Paralimpíadas, especialmente a do Rio de Janeiro, no ano que vem. “Ao invés de competirem quatro cegos, pois é necessária uma raia pro guia, por que não competir oito cegos [por prova]? Essa foi uma proposta do nosso querido Roberto Gesta [amazonense, presidente da Confederação Sul-Americana de Atletismo]”, sugeriu a coordenadora.

Vale lembrar que o atletismo paralímpico já faz uso de tecnologia como ferramenta de inclusão no esporte. “Assim como aqueles suportes adaptados de ligas de titânio são usados para que atletas amputados possam correr, nós também queremos implantar uma tecnologia nova”, afirmou Ana Carolina.

Certo mesmo é que os pesquisadores já acordaram que, após os testes, um atleta cego do Amazonas será selecionado para guiar a tocha olímpica na passagem do revezamento por Manaus. O atleta será monitorado pela tecnologia criada pelos pesquisadores amazonenses.

Custos

A tecnologia da roupa é estimada em R$ 1,5 mil. No entanto, com o aporte de uma indústria para a produção em larga escala, os pesquisadores acreditam que este custo será reduzido.

Já o sistema instalado em pista custa R$ 4,5 mil e pode ser utilizado por até oito atletas por prova. O sistema de localizador, chamado de ‘nó âncora’, fica em um ponto fixo da pista servindo de localizador para os outros pontos. Já a roupa, o chamado ‘nó móvel’, possui custo individual.

O fato é que os pesquisadores amazonenses estão determinados a colocar o produto no mercado. “A gente tem que parar de criar tecnologia e engavetar. Daqui a pouco um pesquisador lá na China desenvolve uma tecnologia similar e é muito mais reconhecido do que nós, que desenvolvemos como pioneiros”, disse Ana Carolina.

Fonte: Portal Amazônia.




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