Autonomia e escolha

Passei quase 30 anos resistindo a cadeira motorizada por dois motivos simples e claros: burrice e preconceito. Achava que iria ficar mais estigmatizada ainda, associando deficiência a doença e a uma limitação que tem muito mais a ver com as nossas escolhas e desejos do que com qualquer habilidade física que uma deficiência possa determinar.

Agora com minha nova e motorizada cadeira, ganhei vida nova! Ganhei a experiência de uma pessoa vivida há anos, mas com espírito de uma criança que não tem medo de arriscar outras brincadeiras.

Envelhecer tem como princípio básico o pressuposto de um maior acúmulo do saber, porém, nem sempre isso é uma regra. Quando acordo, já levanto na mão de alguém, quer dizer, não levanto, alguém faz isso por mim, pois meu espírito comanda e quer sair pelo mundo. A diferença é que agora com o motor externo da cadeira, o meu motor interno, da alma, vai no meu próprio ritmo.

É um ganho que como qualquer outro tem suas perdas, como uma maior dificuldade de mobilidade urbana numa cidade que ainda não se encontra adequada e preparada para receber condignamente a pessoa com deficiência.

Ai como é bom ter a autonomia num momento em que o corpo e o espírito não estão o tempo todo em um acordo tácito de empatia e compreensão! É uma glória sair deslizando por aí, sangrando o ar, como diz um amigo meu.

Andar com seus próprios pés, caminhar com suas próprias pernas, escolher até se vai, ou não, atropelar o primeiro desavisado que deixa de te ver como invisível e passa a se assustar com um sujeito que transita como qualquer um, que pode estar numa bike, num skate ou, até mesmo, num estereótipo que carrega uma cadeira motorizada.

Mas, por favor, não confundam com cadeira elétrica! Porque senão, eu entro de uma vez por todas em choque e não respondo por mim!

Por Beth Caetano