A Tismoo será lançada esta semana e terá como missão auxiliar no entendimento do autismo e de outros transtornos neurológicos. Conversamos com exclusividade com um dos fundadores da empresa, o cientista brasileiro Alysson Muotri. Entenda
Nesta semana, durante o VIII Encontro Brasileiro sobre Síndrome de Rett, em Embu das Artes, será pré-lançada a Tismoo: a primeira startup de biotecnologia do mundo com um laboratório exclusivamente dedicado a análises genéticas focadas em tratamentos para o Transtorno do Espectro do Autismo e outros transtornos neurológicos. A ideia é pesquisar tratamentos personalizados, baseados no mapeamento genético de cada paciente.
O empreendimento foi fundado por três brasileiros: Alysson Muotri, biólogo molecular e professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia (UCSD), Carlos Gadia, neuropediatra e diretor-associado do Miami Children’s Hospital Dan Marino Center, e a bióloga Patrícia Braga, responsável pela reprogramação das primeiras células iPS (células-tronco pluripotentes induzidas) no Brasil e uma das idealizadoras do Projeto A Fada do Dente da USP, feito em parceria com a UCSD.
Eles ambicionam realizar uma série de pesquisas não apenas sobre o autismo, mas também sobre outros tipos de transtornos neurológicos, como a Síndrome de Rett, que tem fundo genético e afeta principalmente as mulheres, e a Síndrome de Timothy, um transtorno raro caracterizado por más-formações físicas. “Transtornos neurológicos têm sido negligenciados pela indústria farmacêutica e agências de fomento em geral”, explica Muotri, que é considerado atualmente um dos maiores especialistas em autismo no mundo.
Ele lembra que, após o desenvolvimento do Valium, nos anos 70, e depois do Prozac, nos anos 90, a indústria praticamente parou de investir no desenvolvimento de novas drogas para transtornos desse tipo. É ainda mais grave se considerarmos que a estimativa é que uma em cada quatro pessoas no mundo desenvolva algum tipo de transtorno neurológico durante a vida. “A Tismoo vem dar uma chacoalhada nisso tudo, partindo do que chamamos de medicina personalizada. Com base na individualidade genética do indivíduo, nossa equipe busca pistas para um potencial tratamento mais adequado, escapando dos tratamentos tradicionais, que não necessariamente são eficazes para todos”, diz.
A ideia é recriar em laboratório o desenvolvimento neural (os chamados minicérebros) a partir de células do próprio paciente. Esses minicérebros capturam o material genético do paciente, replicando etapas embrionárias da formação do cérebro no laboratório. “Usando tecnologias para edição do genoma humano poderemos investigar como a mutação do indivíduo causa o quadro clínico e buscar formas de reverter o processo”, explica Muotri. A grande vantagem é tornar viável o teste de drogas sem ter que usar o próprio paciente como cobaia: usando esses minicérebros é possível variar os tipos e quantidades de medicamentos e encontrar o tipo de tratamento mais adequado.
Novas esperanças para o autismo
Estima-se que, no mundo, haja 70 milhões de indivíduos no espectro autista. De acordo com um estudo publicado pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nos Estados Unidos, a taxa de autismo entre as crianças nos Estados Unidos atualmente é de 1 em 68. No Brasil, seguindo a estimativa da Organização Mundial da Saúde, que prevê que 1% da população está no espectro, seriam 2 milhões de pessoas com o transtorno. Mas, então, o que todas essas famílias podem esperar dos avanços científicos para os próximos anos?
“A conclusão que temos hoje é que diversos tipos de autismo (sindrômico e idiopático) são reversíveis em nível celular. Isso traz esperança de que a plasticidade do cérebro humano seja capaz de reverter o estado doentio para um estado saudável”, explica Muotri. O cientista tem um trabalho de pesquisa baseado na hipertrofina, uma droga presente na erva de São João. Ela é capaz de ativar o gene TRPC6, que é importante para a formação de conexões neuronais no cérebro. Em alguns autistas, esse gene apresenta uma alteração, que poderia ser compensada pelo uso da erva. Por enquanto, ainda não foi realizada a etapa de testes clínicos e também não se sabe, por enquanto, se a droga poderia agir também nas crianças que não apresentam essa mutação no gene TRPC6. Mas Muotri acredita que, nos próximos anos, será possível melhorar alguns dos tratamentos existentes, ainda que, em alguns casos, existe, sim, uma longa caminhada.
“Eu falo como cientista e como pai de um garoto autista com 9 anos de idade: quero muito que ele saia do espectro e se torne independente, é meu maior sonho. No entanto não vou sujeitá-lo a tratamentos sem um forte embasamento científico. A Tismoo não oferece a cura ou tratamento mágico alternativo imediato. O que temos é um primeiro passo”, explica. Ele acredita que, nos próximos anos, será possível melhorar alguns dos tratamentos existentes, mas reconhece que, para alguns pacientes, o caminho pode ser mais longo. “É difícil prever quanto tempo vai demorar, pois a ciência não é linear. Mas, às vezes, ela nos surpreende e é nessa esperança que eu me agarro”, conclui.
Fonte: Revista Crescer.