Uma das maiores apreensões de quando nos tornamos deficiente é a questão do relacionamento. Dúvidas de como reagirão nossos amigos e nossos companheiros. Serei capaz de amar novamente e de ser amado? As pessoas me aceitarão como sou?
Tudo irá depender de sua própria aceitação. Não existem regras e nem prazos cabalísticos. Cada pessoa tem o seu ritmo e dita o seu tempo. À medida que você aceita a conviver com o seu corpo deficiente, com muita mais facilidade estas pessoas irão lhe aceitar. E os velhos amigos? O afastamento de alguns pode ter significados diferentes. Uns podem ter ficado tão chocados com o acontecido que lhes falta coragem de enfrentar a sua situação. Outros precisam de um tempo a mais para vê-lo e outros, simplesmente, desaparecem. São os “amigos” de ocasião. Esta filtragem até pode ser interessante, como se houvesse uma depuração, um novo iniciar. Eu, particularmente, tive todos os tipos de experiência e sem dúvida, uma das mais emocionantes, foi uma carta que recebi de um amigo de infância, lá dos Pagos, após alguns meses do meu acidente, onde transformou a sua confissão de covardia para enfrentar-me, numa bela confissão de amor. Infelizmente, este testemunho do meu passado, que valeria em parte ser reproduzido, está sumido em algum canto aqui de casa.
Outra experiência interessante são os novos amigos deficientes, unidos pelo destino de terem um corpo lesado. Todos que passaram por algum centro de reabilitação, fizeram parte de algum clube, frequentaram uma sociedade política de luta pelos seus direitos ou praticaram algum esporte, tiveram a oportunidade de conviver com portadores de deficiência e muitos, por algum motivo a mais, fizeram amigos neste convívio. Tantos começaram a romper a barreira da solidão através destes relacionamentos e outros fazem destes relacionamentos sua única fonte de convívio social. Por isto, não é infreqüente relações amorosas entre eles. Confesso aqui, de público, que ao me apaixonar por uma paraplégica, entendi a real possibilidade de que outras pessoas poderiam sentir o mesmo por mim.
Já a relação com pessoas não deficientes é, de início, apreensiva. Em geral, quando começamos, inexperientes, uma primeira relação com alguém, cometemos muitos erros. Ao atrair uma pessoa, você já está ganhando pontos, pois com certeza seu parceiro conseguiu vencer uma barreira importante. Você deve ter alguma coisa a mais interessante, além de sua cadeira de rodas (risos). Preserve a sua privacidade e use a sua independência para manter a relação. Se você é capaz de ser independente na suas coisas íntimas, não peça para o seu parceiro passar uma sonda, derramar o seu xixi ou atendê-lo em alguma emergência intestinal. Preserve a sua sexualidade. Não tenha preguiça de sair do sofá ou levantar da cama para buscar algo que você esqueceu. Pense: você fazia isto antes de ser cadeirante? Não transforme o seu parceiro em um atendente. Preserve a sua independência. Divida as tarefas: lave louça, tire a mesa, arrume a cama. Se você tem filhos: troque fralda, acorde de madrugada se necessário. Participe. Seja “normal”.
Esta relação que você tem com a vida é que resultará na sua felicidade. Isto só depende de você. Se antes, você era uma destas pessoas que vivia se queixando, você vai ter muitos motivos para piorar. Difícil, sem dúvida, é mudar a sua personalidade, mas acho que vale a pena tentar. Ao contrário, se você sempre foi um cara prá frente, não vai ser esta deficiência que vai derrubá-lo. Existem muitos motivos para ser feliz.
Nota do autor – Esta crônica é dedicada ao Rafael. Sua chegada não só completou a nossa família, como ampliou o meu conceito de felicidade (janeiro de 2002).
Por José Carlos Morais