Cheguei a ultrapassar em idade mais da metade de um século e como cadeirante tenho mais da metade de meio século. Então, fico me perguntando: o que são cem anos? Olho para trás e vejo uma criança e, também, um corpo de um adulto quase na terceira idade. Já não sei se me cabe tanto medo do futuro ou se a vontade de viver o presente é tão forte que perco as contas e o sentido da cronologia.
Meu sentido ao caminhar, mesmo que tenha deixado outras marcas pelo chão, me faz entender que mesmo que estejamos passando pela mesma estrada, o caminho é sempre outro. Coloco todo meu esforço hoje apenas no joystick da minha cadeira motorizada. Uso a minha mão direita para me dar sentido e direção, mas sigo, carregando em uma memória também afetiva as marcas e os sinais que um dia foram feitos pelos meus pés.
Considero meus passos como a mais genuína forma e maneira de me deslocar. Vou andando e lembrando da fábula da tartaruga e a lebre. Tinham o mesmo caminho, território único a percorrer entre tempo e espaço, tão semelhantes e tão diferentes. Que não me vale a prerrogativa, a vantagem da lebre, nem ao menos, as passadas lentas do cágado, porém, que fique aqui na minha estória a distância singular entre a saída e a chegada.
Em qualquer que seja minha marca na minha específica noção de tempo e espaço, trago impressa em meu caminhar, sei lá quantas passadas vão me levar. O caminho é meu, somente eu posso percorrê-lo. E já nem me lembrava mais de ter começado este texto, falando de século. Pois afinal, o que são cem anos nessa tão misteriosa e surpreendente passagem do tempo.
Que me levem minhas rodas para momentos mágicos com a mesma disposição e energia que um dia minhas pernas também o fizeram. Por último, enfim, deixo aqui um recado as lebres: não quero vantagem, vou do meu jeito, fiel ao meu tempo e muito, muito leal a minha particular maneira de caminhar.
Por Beth Caetano