Esses dias, pouco mais de um ano que perdi meu pai, resolvi reler seu livro contando sua história. Engraçado que mesmo conhecendo esse conto de trás pra frente, sempre me emociono como se estivesse lendo pela primeira vez.
Quando me pediram para escrever esse texto e como a paraplegia de meu pai impactou na minha formação, eu tive que pensar sobre algo que sempre esteve internalizado em mim. Eu cresci com um pai cadeirante, e levei alguns anos para perceber que meu pai era diferente dos outros pais.
Ainda criança, notei que o mundo não via meu pai do jeito que eu via. Como que a falta de conhecimento dessas pessoas e principalmente a falta de convivência produzia um estereotipo da pessoa com deficiência, que reduzia meu pai apenas a sua cadeira de rodas. A falta de acessibilidade, a infantilização, a falta de empatia. Eu não entendia. A cadeira nunca foi um problema. A cadeira é solução. Foi o que deu ao meu pai independência e liberdade de viver uma vida cheia de aventuras.
Quando comecei a questionar o porquê de ele ser diferente, não o fiz de forma negativa. Eu via a deficiência do meu pai como um super poder. Era o que o fazia único e muito mais legal do que todos os outros pais. Eu não me cansava de ouvir tantas histórias fantásticas sobre paraolimpíadas as quais participou jogando basquete. Ou como ele foi pioneiro do tênis em cadeira de rodas no Brasil. Quantas amizades incríveis fez pelo caminho. Meu pai tinha paixão por tudo o que fazia. Comandava uma escolinha de tênis em cadeira de rodas, porque queria proporcionar a outras pessoas com deficiência o que o esporte lhe proporcionou: A autoestima, a socialização e integração. Tinha tanto orgulho de ser professor universitário, formando tantos alunos que se toraram amigos queridos. Foi parte da equipe do CVI-Rio, porque seu ativismo na luta pela visibilidade e direitos da pessoa com deficiência era incansável. Aos fins de semana, ele adorava cozinhar para amigos algum prato novo que aprendeu em um programa de cozinha. Acho que foi isso que o fez viver a vida tão intensamente. Gosto de pensar que puxei um pouco dessas paixões pra mim.
Me sinto próxima a ele quando jogo tênis, ou quando cozinho alguma coisa nova. Tínhamos um senso de humor muito parecido. Quando vejo algo engraçado ainda sinto um impulso em contar para ele, porque sabia que só nos dois íamos rir daquilo. Estou sempre pensando na acessibilidade em qualquer lugar que vou, mas não somente por causa dele. Eu quero pro meu futuro um mundo mais inclusivo e acessível. Quero levar essas paixões sempre comigo, e quem sabe um dia as estarei repassando para meus filhos.